POR UMA UNIVERSIDADE SEM MACHISMO

A condição da mulher e a contribuição histórica

Ainda que definidas pelo sexo, as mulheres são mais do que uma categoria biológica. Elas existem socialmente e compreendem pessoas do sexo feminino em diferentes idades, raças, de diferentes situações familiares, pertencentes a diferentes classes sociais, nações e comunidades. Suas vidas são modeladas por diferentes regras sociais e costumes, em um meio no qual se configuram crenças e opiniões decorrentes de estruturas de poder. Mas, sobretudo, porque em função do processo permanente de estruturação social, vivem e atuam no tempo.

Um aspecto da história das mulheres que a distingue das outras histórias é o fato de ter sido construída por um movimento social: por um longo período foi escrita a partir de convicções feministas. Certamente, toda a história é herdeira de um contexto político. Mas poucas histórias têm uma ligação tão forte com um programa de transformação e ação como a história das mulheres.. Quer as historiadoras tenham sido ou não membros de organizações feministas, quer elas se definissem ou não como feministas, seus trabalhos não foram menos marcados pelo movimento feminista de 1970 e 1980.

O feminismo, enquanto conceito, só começou a ser utilizado nas Américas a partir da primeira década do século XX. Trazia, operacionalmente, três componentes definidores: o primeiro era a defesa da igualdade dos sexos, ou oposição à hierarquia dos sexos; o segundo, o reconhecimento de que a condição das mulheres era construída socialmente, culturalmente e historicamente determinada pelos usos sociais; e o terceiro, a identificação das mulheres enquanto grupo social e o apoio a elas. Enquanto ideologia, o feminismo passa a ser reivindicado como um espaço apenas feminino, da sua auto-organização, não acessível aos homens, que no máximo seriam coadjuvantes, apoiadores dos movimentos feministas. A definição de quem seria ou não feminista representou, em alguns momentos, entraves à luta feminina, mas nem por isso impediu sua institucionalização e reconhecimento.

A compreensão sobre a impossibilidade de ser o homem um feminista parte da constatação de que, socialmente, os espaços das mulheres eram outros, que não os ocupados pelos homens. A maior parte dos livros sobre história que tocam na questão da mulher e sua participação na construção da própria história, considera a experiência das mulheres como um fato histórico ainda a ser descoberto e descrito. Alguns autores consideram as mulheres como sujeitos sociais ativos, situados em contextos históricos concretos e cujas vidas, enquanto membros de famílias, trabalhadoras, membros de movimentos sociais, foram tão importantes quanto as experiências masculinas dentro da construção da sociedade.

A atuação das mulheres dentro das famílias, onde passavam a maior parte do tempo, nas escolas e nas instituições religiosas (considerados “lares sociais”), faziam parte do que se chama hoje de “cultura feminina”, que muito pouco foi concebido dentro da história geral enquanto sua influenciadora direta, como se os espaços construídos pelas mulheres não possuíssem relevância na construção do mundo.

Mesmo os espaços privados ocupados pelas mulheres estando sujeitos a decisões dos espaços macro-políticos, ocupados em sua grande maioria por homens, pouco foi descrito da capacidade das mulheres, desprovidas de direitos políticos formais, de agir coletivamente para melhorar sua situação ou resolver seus próprios problemas até a consolidação da organização feminista. Pouco é mostrado sobre como as mulheres encontravam meios para identificar seus próprios interesses e defendê-los, dentro das famílias e do trabalho. Pouco é abordado sobre a ocorrência de cooperações e conflitos de gênero no estudo sobre trabalhadores, embora fossem duas partes atuantes no processo de formação de classe. Pouco é abordado sobre o conjunto de valores diferentes dos masculinos que levavam as mulheres a agir e a construir a outra metade da história.

Como alternativa às esferas privadas, a cultura feminina passa a estabelecer comunidades de “mulheres independentes”, talvez de maneira paradoxal e contraditória, elas recriam uma esfera privada a seu modo. Porém, a idéia de que só as mulheres poderiam atuar pelas mulheres é que lhe davam acesso às esferas de poder antes ocupadas apenas pelos homens.

Os estudos sobre a cultura das mulheres intra ou inter-classe sociais, inter ou intra grupos étnicos ou raciais reconstituem ricamente a vida das mulheres e traçam complexas relações com as grandes tendências históricas. Porém ainda é fato que, a atenção dada a certos domínios da atividade humana, o fato de privilegiar certos problemas tem negado às mulheres lugar como autoras históricas. Como, para a contemporaneidade, a vida das mulheres vem se tornando “fatos da história”, é importante analisá-los e discutir explicitamente aquilo que eles permitem modificar nos outros domínios da história. A vida das mulheres não deve ser estudada isoladamente: devem ser vinculadas ao poder das idéias e as forças que governam as transformações estruturais.

A luta do feminismo contemporâneo conseguiu, em algumas universidades norte-americanas, fazer com que a História da Mulher seja matéria obrigatória nos currículos das ciências humanas. No Brasil, a Universidade Federal da Bahia abre em 2009 uma graduação em Gênero e Diversidade. Este movimento atual está caracterizado pela presença de um feminismo institucional, integrado a outros movimentos sociais como o movimento estudantil, o MST, o movimento sindical, o LGBT, o movimento negro (feminismo negro), tendo pequena expressão enquanto movimento de massas isolado..

As lutas por visibilidade do século passado resultam numa maior presença feminina nos espaços de decisão final, porém ainda muito pequena e menor ainda nos países semi-periféricos e periféricos e, dentro desta constatação, é ainda menor a participação da mulher negra. No Brasil há este ano uma disposição para candidaturas femininas à presidência da república. Há alguns anos foram criadas secretarias especiais com função de reparação e houve a consolidação de algumas políticas públicas para mulheres. Mas há de ser central para as mulheres no próximo período a questão da reforma política. Em algumas situações, a participação das mulheres constitui-se ainda superficialmente, onde se observa uma transferência do papel de organização das esferas privadas, dos “lares sociais”, para organização interna dos espaços de poder. Mesmo presentes nos espaços macro-políticos, a atuação feminina pode estar voltada prioritariamente para as micro-relações.

No exame sobre a realidade é necessário entender onde estão as mulheres. Sob que condições construíram e modelaram os movimentos sociais, em que medida os grupos de mulheres lutaram por seus direitos e quais mulheres gozaram de estatutos sociais mais elevados e por que. De que atividades as mulheres são excluídas em menor ou maior grau e sob que circunstâncias. É necessário contextualizar essas constatações economicamente e politicamente utilizando o gênero enquanto uma categoria de análise, sem correr o risco de uma produção teórica com base em análises causais reducionistas. A história das mulheres é a de respeito à iniciativa humana. Deve tratar das grandes questões históricas e deve contribuir para resolver problemas já inseridos na agenda da história.

Desta maneira, a história das mulheres poderá mudar a percepção do mundo sobre o que é importante na história.

Outras reflexões em TILLY, Louise A. Gênero, história das mulheres e história social. Cadernos Pagu (3) 1994: PP. 29-62. Também em SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para uma análise histórica. No sítio http://www.dhnet. org.br/direitos/ textos/generodh/ gen_categoria. html.

Poliana Rebouças

Estudante de Saúde Coletiva e diretora do DCE da Ufba

Gestão Declare Guerra a Quem Finge te Amar
2008-2009

-- FabricioSantana - 18 Jul 2007

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