Entre a extensão e a intensidade: corporalidade, subjetivação e uso de drogas
por VARGAS, Eduardo Viana em
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Esta tese versa sobre consumos de drogas e processos de subjetivação e corporalização. Seu objetivo é problematizar a partilha moral (médico-legal) entre usos lícitos e ilícitos de drogas e explicitar os critérios que fundamentam tal partilha. Para tanto, argumenta-se que droga é uma noção plurivalente, que, além de relativamente recente, mantém fronteiras mutantes e imprecisas com categorias vizinhas (alimentos, remédios, venenos, etc.); e que uma investigação epistemologicamente positiva dos usos de drogas deve envolver uma análise das práticas e das representações socialmente constituídas dos corpos e dos sujeitos humanos e subsidiar uma reavaliação crítica do estatuto dos sujeitos e dos corpos humanos na teoria social. A partir da interpretação de dados históricos, delineia-se uma genealogia das drogas no Ocidente que mostra que, embora o uso de substâncias que denominamos drogas remonte a tempos imemoriais, foi no contexto dos contatos entre os povos europeus e seus outros, tais como eles se deram nos últimos séculos da Idade Média, que as drogas emergiram enquanto tais; que as sociedades ocidentais têm mantido uma relação paradoxal simultaneamente de repressão e de incitação com os consumos de drogas; que essa relação constitui o que se propõe chamar de um dispositivo das drogas; e que, em seus efeitos visados e perversos, tal dispositivo é agenciado segundo diferentes critérios de avaliação e modos de experimentação da vida, os quais, sendo socialmente definidos, estão relacionados com diferentes processos de encorporação e subjetivação. A partir dos surveys realizados com amostras aleatórias de habitantes de Juiz de Fora e de estudantes da UFJF, mostra-se que praticamente todos consomem drogas, embora não as mesmas drogas, nem com a mesma freqüência; traça-se um perfil social dos usuários de drogas e esboça-se uma interpretação dos resultados apurados. A partir da etnografia realizada entre usuários de drogas de uso ilícito de Juiz de Fora, descrevem-se as redes de sociabilidade constituídas em torno do uso dessas drogas e mostrase que, do ponto de vista dos usuários, o consumo dessas drogas põe em jogo processos de alteração material e simbólica da percepção que envolvem o agenciamento de modos singulares de encorporação e de subjetivação. A partir da revisão bibliográfica de trabalhos que propõem ou aplicam teoria social à análise da temática do corpo, procura-se mostrar que a tendência dominante tem sido a de tomar como ponto de partida uma grande partilha entre a materialidade dos corpose a imaterialidade dos espíritos, concentrando-se a polêmica sobre o lado da partilha considerado determinante, e não sobre a pertinência da partilha propriamente dita; que essa partilha não é apenas de cunho epistemológico, mas é também cosmologicamente (in)formada por proposições ambivalentes sobre a natureza humana; e que o problema, inextricavelmente material e simbólico, dos consumos de drogas oferece um campo privilegiado para a problematização dessa partilha e sugere a necessidade de se buscarem alternativas teóricas. Por fim, argumenta-se que os diferentes usos de drogas configuram modos de produção de pessoas que privilegiariam quer a duração da vida na extensão, quer a intensidade de seus instantes, isto é, formas socialmente constituídas, entre outras mais ou menos convenientes, para agenciar modos intensivos ou extensivos de engajamento com o mundo.