Inclusão Digital. seleção de textos
Inclusão digital e reforma universitária
Folha de São Paulo, 29/3/2005 - pag. A3
MARCELO GIORDAN, LILIAN STAROBINAS e GILSON SCHWARTZ
É inaceitável que o computador seja visto como supérfluo na educação dos dias de hoje. Da preparação para o mercado de trabalho, onde os computadores em rede são onipresentes, à emergência de novos padrões de socialização e colaboração digitais, que incluem celulares e outros aparelhos, assim como novas formas de entretenimento em rede, o desafio já não é justificar a necessidade da "informática" no cotidiano escolar, mas encontrar as melhores formas de interação e conteúdos digitais de qualidade.
A internet é a ferramenta por excelência do que agora se denomina "sociedade do conhecimento" (havia poucos anos se dizia "sociedade da informação"). Mais que a "inclusão digital", a inclusão nos processos de produção e compartilhamento de conhecimento é um tema obrigatório no debate sobre a reforma do ensino superior no Brasil. Por que não atacar a questão fundamental da formação de professores com programas alicerçados em uma cultura digital?
O acesso às tecnologias da informação e comunicação é apenas uma das faces dessa inclusão, ainda que a disseminação de infra-estrutura e aparatos tecnológicos dependa de investimentos importantes -sobretudo públicos- e seja condição necessária para a apropriação das novas ferramentas pela população -sobretudo a menos favorecida.
As opções tecnológicas vão além da difusão de antenas e cabos, de máquinas e de sistemas operacionais. É preciso perguntar, por exemplo, se o país tem condições de produzir uma tecnologia específica em grande escala. A política de digitalização pode abrir caminho para engenharias mais criativas, ainda que sob o mesmo padrão tecnológico. Os métodos educacionais e as culturas de uso é que farão a diferença para definir as chances de ampliação da capacidade criativa e associativa de jovens e adultos conectados à internet. A presença das novas tecnologias na escola exige a reavaliação do que afinal é "conhecimento", sua produção e autoria, consumo crítico e manipulação sob novas formas de circulação e certificação.
Propor meios inovadores de produzir e compartilhar conhecimento exige, em primeiro lugar, a superação do perfil bacharelesco das universidades. Os novos meios e formatos facilitam o acesso a uma variedade de recursos audiovisuais e hipertextuais, incentivando sua utilização como alimentadores de redes que sugerem uma inteligência coletiva. O surgimento de tal inteligência, no entanto, depende da ampliação do acesso a esses recursos, sobretudo para professores e educadores em instituições não-escolares.
Na escola, os professores podem ser agentes seletos para orientar processos de inclusão do universo digital no cotidiano de pesquisa e colaboração de toda a comunidade escolar. Todos os professores, não apenas os que conduzem ou dirigem os laboratórios de informática.
A avaliação sobre os níveis de apropriação da cultura digital nos deixa hoje preocupados quanto aos (des)caminhos da educação. O aperfeiçoamento de métricas adequadas e precisas para essa avaliação é uma tarefa obrigatória, já em curso, que permitirá diagnósticos precisos e orientação de investimentos futuros.
É notório o déficit de professores com nível superior para atuar nas salas de aula da educação básica. Essa carência tem sido apontada como um dos fatores responsáveis pelo baixo desempenho dos alunos em exames nacionais e internacionais. Por que então não atacar a questão fundamental da formação de professores com programas alicerçados em uma cultura digital que lhes permita mergulhar diariamente em ambientes digitais de educação aberta? Por que não integrá-los ao número crescente de educadores que já colaboram em comunidades de prática por meio da internet, nas quais professores ampliam seus horizontes de formação e informação?
Programas de formação inicial e continuada de professores podem e devem fazer uso intenso do computador como forma de flexibilizar a freqüência aos cursos universitários e ampliar o acesso de trabalhadores à educação superior de qualidade. Já é hora de as universidades arregaçarem as mangas, combinando ensino, pesquisa e extensão, a fim de contribuir para o debate sobre a inclusão digital. Cursos de graduação à distância, apoio ao jovem do ensino médio, promoção de novas formas de cidadania por meio de utilização inteligente das mídias digitais são pautas imprescindíveis da agenda educacional do país. É o exemplo que, pelo quinto ano seguido, a Cidade do Conhecimento da USP oferece à comunidade de educadores brasileiros.
Não se trata mais de discutir se o computador vai à escola, mas sim de definir uma política do país para a inclusão digital que contemple o sistema educacional em sua plenitude, de forma articulada com outros espaços de aprendizado, nas casas, nas empresas e nas associações da sociedade civil que tenham poder de mobilização e vontade de criação de novas propostas de transformação social.
Marcelo Giordan, 38, professor da Faculdade de Educação da USP, e Lilian Starobinas, 39, historiadora e doutoranda em educação na mesma universidade, coordenam o programa Educar na Sociedade da Informação, da Cidade do Conhecimento. Gilson Schwartz, 45, professor do Departamento de Audiovisual da Escola de Comunicações e Artes, é fundador e diretor da Cidade do Conhecimento da USP e assessor da presidência do BNDES.
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